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As consolas

por umavidasemcouves, em 25.04.14

Sou contra o estereótipo do futebolista burro. Acho que um jogador profissional de futebol, um grande jogador, é dotado de grande inteligência. É preciso ser muito inteligente para decidir em pequenas frações de segundo e aguentar tanta pressão, sobretudo perante multidões e com jogos televisionados. Disse o José Mourinho uma vez que o jogador mais rápido que já treinou foi o Deco. Não por correr os cem metros em dez segundos. Deco não era rápido com as pernas mas, segundo Mourinho, não existia jogador que pensasse mais rápido do que o médio luso-brasileiro. Deco tinha a capacidade de estar duas jogadas à frente dos adversários e só alguém dotado de grande inteligência pode ter essa qualidade.

 

Vem isto a propósito de uma boa reportagem feita pelo jornal brasileiro Lance. Esta publicação fez um levantamento das exigências feitas pelas seleções nos centros de estágio na preparação para o Mundial. Encontrou-se de tudo. Desde pedidos religiosos, como o Alcorão em todos os quartos na Argélia, até pedidos culturais, como o sabonete líquido nas casas de banho dos franceses, uma vez que em França ninguém utiliza sabonete em pedra. A maioria das seleções pediu tranquilidade para os jogadores, condições para a imprensa, Internet rápida por wifi, canais de televisão e jornais dos respetivos países.

 

Todos menos Portugal. A única exigência da Federação Portuguesa de Futebol foi ter uma consola de jogos em cada quarto. Ou seja, cada um dos 23 escolhidos de Paulo Bento terá uma Playstation no quarto. E isto diz tudo sobre o futebolista português. Os futebolistas lusos são dos mais alheados que existem. Perguntem a cada um deles o que significa o 25 de abril de 1974 e poucos saberão explicar. Perguntem-lhes quem é Assunção Esteves e duvido que muitos acertem.

 

Os jogadores portugueses não são burros, são ignorantes. Vivem num mundo fechado, onde só há espaço para futebol, as mulheres, os jogos de vídeo e as tatuagens. É óbvio que existem exceções, conheço algumas, mas a maioria deles passam as tardes nisto, ao invés de se enriquecerem, de aprenderem coisas novas. A maioria deixa de estudar depois do 12.º ano porque, segundo eles, é impossível conciliar um curso universitário com a vida de desportista de alta competição. Até admito que seja díficil, mas impossível? Se a maioria das pessoas consegue trabalhar durante o dia e estudar à noite, porque não consegue um jogador?

 

Não é por acaso que vemos os casos de Cadete, Veloso ou Fernando Mendes, futebolistas que ganharam rios de dinheiro e que hoje estão falidos. Quando tiveram dinheiro para investirem neles próprios, não quiseram. Anos mais tarde, essa falta de estrutura pessoal não os preparou para o resto.

 

Esta exigência mostra o que é o futebolista português. Enquanto os jogadores australianos vão ter acesso diário a jornais de todo o Mundo, os futebolistas portugueses vão passar o tempo em torneios de FIFA 14.

 

É só a mim que isto faz confusão?

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Golos com gritaria

por umavidasemcouves, em 24.04.14

Desde que o Paulo Catarro desatou aos berros a festejar um golo de Figo no Euro 2000, que se criou uma tendência nos nossos relatadores de futebol. Não é preciso relatar o golo, é preciso gritá-lo, berrá-lo, transmitir ao ouvinte toda a emoção. A partir do Euro 2004, essa tendência aumentou, ao ponto de até termos relatadores a cantar os golos. Nada contra o João Ricardo Pateiro, da TSF. É o estilo dele, pessoalmente não gosto, mas é dos profissionais mais equilibrados e merece todo o crédito.

 

Nos últimos tempos, fizeram do Nuno Matos o melhor relatador português. Até já foi a programas de televisão. Diz ele que tudo ali é emoção. Tanga. Aquilo é pensado e mais do que pensado. Mal relata o golo e já se vê no Youtube.

 

No passado domingo, o Benfica venceu o Olhanense e sagrou-se campeão nacional. Lá estava o Nuno Matos a relatar os golos do Lima como se fosse a última coisa na vida. No meio da gritaria toda, houve algumas pérolas, como o Benfica, 33-Olhanense, 0, ou o uma Nação inteira a festejar, como se o país inteiro fosse do Benfica. Foi feio, foi parcial, foi tudo menos ético. A verborreia foi tanta, que até se esquecia de gritar o golo e nem deixava o repórter de pista descrever o lance ao ouvinte. No fundo é para isso que existe a rádio, não?

 

É preciso gritar assim tanto para que todos percebam que foi golo? E quando o Benfica sofre um golo, também podemos ter o mesmo tratamento?

 

 

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A morte do jornalismo

por umavidasemcouves, em 19.04.14

Vamos tomar o último mês como exemplo. O treinador do Benfica já não faz conferências de imprensa de antevisão. Limita-se a responder a quatro perguntas na televisão oficial do clube. Questões pré-combinadas, respostas tudo menos inocentes. O treinador do FC Porto faz o mesmo. Até o do SC Braga fez isso. Os jornalistas só tiveram acesso aos treinadores na Liga Europa e sempre por imposição da UEFA. Quando falam, nunca respondem a mais do que quatro questões e raramente um jornalista de imprensa escrita consegue ter a oportunidade de fazer uma pergunta. Quem está em direto tem o privilégio.

 

Os três jornais desportivos estão fracos, não têm qualquer qualidade. E não é apenas por responsabilidade dos jornalistas. Os clubes estão cada vez mais fechados, controlados em tudo. É impossível conseguir falar com um jogador, ainda mais difícil construir uma relação de confiança com o treinador. Passa uma época inteira e nenhum jogador tem contacto com a Imprensa. Os clubes já nem os põem a falar com os jornais. Quando vão de férias, é ver todos os redatores às 5 da madrugada no aeroporto, já de plantão, à espera de um qualquer bitaite, de uma migalha. Mas nada feito. «Não posso falar, não posso falar», diz o mesmo jogador que, mal chega à Argentina, fala com o primeiro jornalista que apanha pela frente.

 

No meio disto tudo, estão assessores que nada sabem, que nada ajudam, que nada passam. Que não vão aos treinos, que não sabem se um determinado jogador esteve em tratamento. Já nem aqui um jornalista consegue chegar. Em Portugal, controla-se o jornalista tirando. O jornalismo é submisso. Não há direito a nada e, mesmo assim, todos os recados são passados. 

 

Dar uma notícia, hoje em dia, é uma vitória enorme. É conseguir vencer isto tudo. Infelizmente, é mais difícil do que parece. Até conseguir saber se A ou B tem uma mialgia de esforço é um problema enorme. 

 

No mundo de hoje, qualquer clube tem uma televisão oficial e é neste canal que comunica com os adeptos. E depois existem as redes sociais. É a melhor forma de comunicar com os adeptos. Para o jornalista, só através das redes sociais é que consegue ver o que anda a fazer um jogador. Todos os dias aparece um post qualquer no Twitter ou uma fotografia no Instagram.

 

Tudo o que acabei de contar demonstra que os jornalistas são animais em extinção. Já não são precisos. Qualquer clube com uma conta no Facebook deixa de ter necessidade de alimentar jornais. A maoria não sabe nada. A magia de ser jornalista era essa mesma: ser o primeiro a saber. Contar a todos. Não há melhor sensação do que a de dar uma cacha. Hoje em dia, já ninguém sabe nada. Só esperamos o dia em que alguém vai perceber isto e nos vai dizer na cara que somos descartáveis.

 

PS- Nos últimos meses, aprendi também que ser do Sporting e trabalhar no Benfica é incompatível. Não nos é permitido escrever uma verdade que, por acaso, até elogia algo que o clube rival está a fazer. Ouvimos de tudo. Desde que nos estamos a fazer a uma promoção até estarmos a perder a objetividade. Às vezes não sei o que é pior. Se a bazófia e arrogância benfiquista, se o complexo de inferioridade sportinguista. Eu sei que estou farto de ambos. Muito farto.

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XXL

por umavidasemcouves, em 08.04.14

Demorei mais de 25 anos para aceitar que sou gordo. Hoje, aos 31, tenho dias em que ainda não aceito. Acho-me magro, em forma, por mais que chegue a arfar ao meu local de trabalho, depois de subir uma rua bem ingreme. Quando me olho ao espelho, ponho-me em várias perspetivas e em algumas até me achavam com um caparro considerável. Puro engano.

 

Esta semana, decidi pesar-me. Eu já sabia que não ia acontecer coisa boa. E usei a balança do ginásio, a única em que confio. E não foi bonito. 104, 5 quilos, 30 por cento de massa gorda. Acho que nunca fui tão gordo na minha vida, nem quando pesava 100 quilos com 15 anos. Recordo-me quando, aos 14 anos, fui ao médico e me pesei. Acho que já não o fazia há uns anos. Quando a balança marcou 90 quilos, fiquei em choque. Mas quando o meu peso ultrapassou os três dígitos, fiquei para morrer. Não me sentia como hoje desde aquele dia. Até respirar me custa, sem me sentir cansado. A minha cara nunca mais acaba.

 

Agora decidi fechar a boca. Não como doces há quatro dias, mesmo com a casa cheia deles. Acreditem que é uma grande vitória. Agora é ver-me a correr a sério no ginásio, depois de um ano inteiro sem sair da minha zona de conforto. Ao longo destes 365 dias, andei pelos 104, desci para 102, cheguei a pesar 101, mas depressa recuperei o peso atual.

 

Ser gordo não é fácil. Desde miúdo que recuso vestir o XXL. É terrível ir comprar umas calças e ter de experimentar 12 pares, em três lojas diferentes, para comprar umas. Em duas das lojas mais conhecidas, como a Zara e a Pull and Bear, o tamanho maior não me passava das coxas. Quando vou comprar roupa, nunca experimento o XXL. Prefiro um XL mais apertado e dizer a mim próprio que vou emagrecer.

 

A minha infância foi passada sozinho no quarto, o único sítio em que não gozavam comigo. Com as mulheres era pior. Não me chamavam gordo, como os rapazes, mas a maioria sentia asco de mim. A única coisa em que confortava eram os bolos. E mal sabia eu do mal que me faziam. Secretamente, guardava o sonho de ser magro, de vestir um tamanho normal, de ninguém gozar comigo e de ter todas as miúdas a olhar para mim. Até o consegui durante uns anos, depois de uma dieta drástica que levou à perda de 30 quilos e do único juízo que tinha.

 

Aos poucos, voltei aos três dígitos na balança e não há volta a dar. Antes que deixem de haver calças para mim e que o meu coração ceda, estou obrigado a emagrecer. Será assim até ao resto dos meus dias. E esta vai ser a minha luta da minha vida.

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O Undertaker perdeu.

por umavidasemcouves, em 08.04.14

O Undertaker perdeu.

 

O dia de hoje foi estranho. Não aconteceu nada de anormal em casa, ou no trabalho. Fui ao ginásio, almocei com a minha mãe, trabalhei até tarde. Mas algo não fez sentido. O Undertaker perdeu na Wrestlemania.

 

Gostar de wrestling não é fácil. Gostar de um espetáculo que tem os resultados falseados faz de nós cromos. Ficar chateados com um espetáculo mentiroso faz de nós um verdadeiro cromo. Hoje em dia, com 31 anos, já não sou o fanático que era pelo futebol. Quando era miúdo tinha a obsessão de ver todos os golos da jornada. Hoje em dia, já mal vejo os golos do meu clube. Já não me interessa muito saber quem é campeão, quem joga bem ou quem joga mal. Mas que ninguém me tire o wrestling.

 

Para mim, ver a Wrestlemania ou o Royal Rumble é mais importante do que a final da Liga dos Campeões. Muito maior! Mesmo sabendo que os resultados são combinados. Para quem não sabe, o Undertaker é um dos wrestlers mais antigos e míticos de sempre. Nunca tinha perdido na Wrestlemania. Era o favorito dos fãs, o combate dele na Wrestlemania era sempre o melhor da noite. E ele ganhava sempre. Já ia em 21-0.

 

Aconteceu ontem de madrugada. E eu, com uma licenciatura e uma pós-graduação, fiquei em choque no meu sofá quando vi o Brock Lesnar acabar com a streak e ganhar ao Undertaker na Wrestlemania. Fiquei de mãos na cabeça, de boca aberta, incrédulo com o que acabara de assistir. Nem queria acreditar: o Undertaker perdeu. Como foi possível terem permitido a derrota do nosso herói ás mãos de um part-timer que já nem gosta de wrestling? 

 

Ver a derrota do Undertaker fez-me perceber que tudo tem um fim. Até ele. O Mark Calaway, o homem que deu corpo à personagem, já tem 50 anos, anda naquilo há quase 30 anos e não aguenta mais. Ele próprio pediu para perder, só para ter descanso.

 

Quando eu for velho, vou recordar para sempre a noite em que o Undertaker perdeu. Tal como recordei a noite em que o Chris Benoit venceu o título na WM20, a noite em que o Eddie Guerrero tirou o título ao Brock Lesnar ou a noite em que o Edge anunciou que não podia combater mais, depois de saber que corria o risco de ficar paraplégico.

 

No meio disto tudo, sabem qual foi o último grande momento que me lembro no futebol? Eu não.

 

Só sei que o Undertaker perdeu.

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