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Sou o pior faixa branca de sempre. E é isso que vai tornar a viagem épica. (Entretanto ganhei a faixa azul, o que torna isto ainda mais inacreditável!)
Imaginem um gajo que é fraquinho no jiu-jitsu. Vai treinar e, mal entra na academia, já se quer pôr a milhas. Equipa-se, entra no tatame...e acaba numa aula com o mestre (faixa preta), um lutador profissional de MMA, e um militar. E não é que foi o que eu estava a precisar?
Dei tudo o que tinha e não tinha. De falta de esforço nunca me poderão acusar. Insistimos em triângulos, e até não me safo mal naquela finalização. Fujo o quadril com facilidade, fecho melhor o triângulo e tenho força nas pernas. É o estrangulamento que melhor conheço. Já levei tantos, que conheço os ataques e contra-ataques de cor.
De seguida fizemos guarda, num dos drills mais intensos, exigentes e cansativos que há. Sobretudo para quem está em baixo. Fiquei exausto, a ver estrelas, dei o que pude, e consegui passar guarda duas vezes a um atleta mais forte do que eu. E só na técnica.
Nos rolas foi até cair. Sem ligar a derrotas, a bater quando tinha de bater, a aplicar aquilo que sei, por melhor que fosse o adversário. O melhor do jiu-jitsu são as relações que se criam. O sucesso individual depende do sucesso coletivo. Sem os incentivos dos meus colegas e professor, já tinha desistido. Posso não gostar de ouvir um «tens de trabalhar mais», porque não há ali ninguém que trabalhe mais do que eu. Mas gosto que reconheçam o meu esforço, e que me digam que fui a pessoa que mais evoluiu num ano.
Na próxima semana há cerimónia de graduações. Infelizmente não poderei ir. Ficarei feliz por todos os meus parceiros de treino. Gostava de receber, pelo menos, mais um grau. Pelo esforço. Não justifico muito mais. Ainda falta muito para a faixa azul. Com tempo e paciência chegarei lá.
Há mais de um ano que entrei numa das viagens mais loucas da minha vida. Eu só queria fazer exercício. Meti-me no jiu-jitsu. Entrar numa arte marcial aos 31 anos, com 104 quilos, sem nenhuma experiência na área, foi uma loucura. Ainda hoje não sei o que me deu para ter aceite. Meia hora antes da primeira aula, estive para me ir embora. Não fui. Ainda hoje estou para saber se tomei a opção correta.
O jiu-jitsu tem sido um carrossel e físico. Os lutadores profissionais falam de uma viagem. Eu falo de sofrimento. Os primeiros meses foram horríveis. Lesões frequentes, entorses, dores nas costelas, e o início de um síndrome vertiginoso, com tonturas constantes, consequência das cambalhotas e dos enrolamentos. Ainda hoje fico zonzo quando faço um enrolamento para trás. Nunca desisti, sempre pensei que esse sofrimento era necessário. Que cada estrangulamento que sofria me iria fazer mais forte. Que só precisava de um ano de base para aprender a sério. Talvez me tenha enganado.
Tive momentos bons. Foi bom quando emagreci. Foi bom quando comprei químonos novos e me senti confiante. Foi bom quando finalizei pela primeira vez numa chave de braço. Mas passou. De dezembro para cá que os treinos estão a correr mal. Muito mal. Recuperei o peso que tinha. Para um tipo com mais de cem quilos, fazer jiu-jitsu é muito difícil. O que os outros fazem com facilidade, a mim custa-me. É raro o treino que não me deixa com dores. Já me podia ter magoado a sério e tenho medo disso. Não há ninguém que se esforce mais do que eu. Mas isso está mal. Não me devia esforçar tanto. A coisa devia fluir.
Os últimos treinos têm sido um inferno. Fisicamente estou péssimo, psicologicamente ainda estou pior. Não tenho gás, sou uma desgraça a nível técnico e não tenho garra. Entro em todas as lutas já derrotado. Mal sei passar uma guarda, sou péssimo por baixo e consigo ser finalizado quatro a cinco vezes em apenas seis minutos. Hoje foi um suplício. Hoje não fui só finalizado. Hoje levei porrada a sério. Para que é me sujeito a isto? Tenho dois cursos superiores, estou à beira dos 33 anos, e continuo a sentir-me como o miúdo gordo que saía a chorar das aulas de ginástica porque tinha medo de fazer cambalhotas. Fico ainda pior quando vejo a impotência do meu mestre. Todos os conselhos que me dá não servem. Raramente faço alguma coisa de jeito.
Não quero desistir. Não vou desistir. Seria incapaz de me olhar ao espelho. Mas o jiu-jitsu deixou de me dar prazer. Tornou-se um suplício. A minha namorada é a pessoa que mais incentiva, e sei que vai detestar ler isto. Mas a verdade é esta: sou uma merda no jiu-jitsu. Tal como fui no ténis. Investi tanto dinheiro em aulas e equipamento, e não consegui nada de jeito. É vergonha assumir que não temos jeito?
Os meus colegas já perceberam. Puxam por mim, mas não adianta. Neste momento, se não fosse pelo mestre, saía de lá. Mas porra, se os outros são capazes, porque é que eu não sou?
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