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Sou o pior faixa branca de sempre. E é isso que vai tornar a viagem épica. (Entretanto ganhei a faixa azul, o que torna isto ainda mais inacreditável!)
A onda de solidariedade em torno do atentado de ontem, em Paris, está a ficar tão banal como aquela treta do Ice Bucket Challenge, uma das maiores parvoíces que já vi, que se transformou numa moda ridícula, em contraste com a doença que aflige milhares de pessoas. Não me julguem mal, o que se passou ontem na redação da revista Charlie Hebdo foi um massacre, sem qualquer tipo de justificação. Mas custa-me ver tanto jornalista saloio e inutil a sentir que faz a diferença só por segurar num papel que diga "Je suis Charlie." Sei que não há comparação com o que aconteceu ontem, mas gostava mesmo de ver a mesma solidariedade quando os vossos camaradas são despedidos todos os dias. E, sim, eu também sou Charlie.
A seleção do Irão, treinada pelo português Carlos Queiroz, fez nestes dias um estágio em Lisboa para preparar a participação na Taça Asiática, marcada para o próximo ano. No último dia de estágio, o Irão jogou um particular com o Benfica, no centro de estágio do Seixal. Seria, certamente, o teste mais exigente para a formação asiática, além de ser um bom particular para as águias, sem competição devido aos compromissos das seleções. Por imposição do Benfica, o jogo realizou-se à porta fechada. Mas houve um imprevisto. Alguns iranianos residentes em Portugal e outros que viajaram DE PROPÓSITO a Portugal para verem a seleção também quiseram ver o jogo. O Benfica lá os deixou entrar, mas apenas por insistência da embaixada iraniana em Portugal, presentes também eles no Seixal. O Irão venceu por 1-0, mas ninguém pôde festejar o golo. Por ordem do Benfica, ninguém podia fazer barulho ou manifestar alegria. O jogo era particular e o anfitrião não permite tais manifestações. Mal acabou a partida, os adeptos do Irão deixaram o centro de estágio e queixaram-se. Disseram nunca ter visto algo assim. O Benfica perdeu o bom senso há muito tempo. Os jornalistas são tratados como merda, são impedidos diariamente de informar. Neste momento, é impossível conseguir fazer um bom trabalho naquele clube. Naquele e em qualquer outro. Que os jornalistas sejam tratados como lixo já é naquela. Quem anda nesta profissão tem de aprender a ser humilhado. Mas esta loucura num simples jogo particular foi de mais. Aos poucos, os jornalistas foram arredados de tudo. Falar com um jogador é impossível. No Benfica, por exemplo, é-lhes imposto o medo. Chegam a dizer-lhes que somos o inimigo. Nem ordem têm para dizer "bom dia". Os clubes estão a matar-nos e é uma questão de tempo até acabarmos todos no desemprego. Sem acesso básico a informação, os jornais não podem sobreviver. Um jornal que demorava horas a ser lido, hoje é visto em dois minutos. Pouco ou nenhumas notícias, apenas conteúdos, a maioria imaginativos. O pior disto tudo é que ninguém quer saber. Até os adeptos do futebol já não se interessam. Vamos todos desaparecer. E o mais triste é que ninguém vai chorar por nós.
O Tondela não deixa Rui Nereu falar aos jornais. O Tondela. Repito: o Tondela.
Às vezes aponta-se Espanha como o exemplo a seguir no jornalismo desportivo. A Marca e o As são de Madrid e acompanham os clubes da capital, sobretudo o Real Madrid. O Sport e o Mundo Deportivo acompanham o Barcelona e quase esquecem que o Espanhol também faz parte da Catalunha. Tomás Roncero é apontado como um dos principais jornalistas do As. É fanático pelo Real Madrid, odeia o Barcelona e o Atlético. Assume isso, sem qualquer problemas.
Em Espanha, é frequente os jornais associarem-se às marcas que equipa os clubes e venderem, com os jornais, produtos licenciados dos clubes. Por exemplo, comprar o jornal, entrar num concurso e ganhar uma camisola oficial do Real Madrid.
Em Portugal nunca se assistiu a algo tão claro, mas as coisas podem começar a mudar. Esta quarta-feira, o Benfica anunciou que os novos sócios têm direito a um mês de assinatura do jornal Record. Não tem direito ao jornal do clube, ou à Mística, a revista oficial do Benfica, mas levam para casa um jornal desportivo. Ficam à vista os negócios privilegiados entre o Benfica e a Cofina, a empresa que detém, entre outros, os jornais Correio da Manhã e Record.
Ao longo dos tempos, cada jornal desportivo sempre foi associado a um clube grande: O Jogo com o FC Porto, Record com o Sporting e A Bola com o Benfica. Isso acabou. O Jogo continua a controlar o FC Porto, mas dá imensas notícias de Benfica. A Bola tem boas relações com o Sporting, e raramente dá uma notícia de Benfica. Tudo o que vem do clube da Luz sai direito para o Record. Esta estratégia foi ainda mais clara com João Querido Manha na direção daquela publicação mas, curiosamente, esta decisão surge numa altura em que Record tem nova direção e procura uma aproximação ao Sporting.
Depois de hoje, ficam à vista as relações entre o Benfica e o Record. Esqueçam essa história de que A Bola é o jornal oficial do Benfica. Há muito deixou de o ser. Só os três do costume continuam a acreditar que sim, e a deixarem que o clube controle tudo o que é publicado. E o maior controlo nem sequer por quem manda na Luz, mas sim por quem anda nos gabinetes dos jornais. Não há pior censura do que a autocensura.
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